terça-feira, 27 de agosto de 2019

Deveríamos buscar lições com a China sobre a defesa da soberania nacional

Me decepciona a publicação pelo Intercept Brasil do artigo "As lições para o Brasil dos protestos de Hong Kong" ( https://theintercept.com/2019/08/19/revolta-do-guarda-chuva-hong-kong-protestos-china/ ), de Rosana Pinheiro-Machado. Um portal que tem se destacado por grandes contribuições ao jornalismo investigativo, revelando através de informações vazadas como agentes do Estado brasileiro agiram contra a Constituição, as leis e o desenvolvimento nacional, coloca em segundo plano as articulações do imperialismo norte-americano com os protestos de Hong Kong, que podem ser demonstradas citando documentos e fatos públicos, como fez Godfree Roberts no brilhante artigo "O cálice envenenado de Hong Kong: Quando civilizações se chocam" ( https://revistaopera.com.br/2019/08/05/o-calice-envenenado-de-hong-kong-quando-civilizacoes-se-chocam/ ).

Depois de discorrer sobre a criatividade, ousadia e capacidade de organização demonstradas pelos protestos de Hong Kong e mesmo reconhecer determinadas contradições dentro do movimento, a autora afirma:

"Na atual conjuntura, não acredito que o movimento, com todas suas contradições, penderá para a extrema direita imperialista."

Depois reafirma sua confiança citando as palavras que colheu de uma ativista de Hong Kong:

"nós, os que acreditam na democracia radical, justiça social no processo de autodeterminação de Hong Kong, somos a vasta maioria."

Há uma ingenuidade que a autora compartilha com "democratas" e "socialistas" de Hong Kong e que me lembra muito o documento "O Socialismo Petista", de 1990, no qual se afirmava sobre a Polônia: 

"O PT foi o primeiro  partido político brasileiro a apoiar a luta democrática do Solidariedade polonês, mesmo sem outras afinidades ideológicas.  Temos combatido os  atentados  à liberdade sindical, partidária, religiosa etc. nos países do chamado socialismo  real com a mesma  motivação com que lutamos pelas liberdades públicas no Brasil.  Denunciamos com idêntica indignação o assassinato premeditado de centenas de trabalhadores rurais  no Brasil e os crimes contra a humanidade cometidos em Bucareste ou na Praça da Paz Celestial. O socialismo, para o PT, ou será radicalmente democrático ou não será socialismo. Os movimentos que conduziram às reformas no Leste Europeu voltaram-se justamente contra o totalitarismo e a estagnação econômica, visando institucionalizar regimes democráticos e subverter a gestão burocrática e ultracentralizada da economia.  O desfecho desse processo está  em aberto e será a própria disputa política e social a definir os seus  contornos. Mas o PT  está convencido de que as mudanças ocorridas e ainda em curso nos países do chamado socialismo real têm um sentido histórico positivo, ainda que o processo esteja sendo hegemonizado por correntes reacionárias, favoráveis à regressão capitalista.  Tais movimentos devem ser valorizados, não porque representem em si um projeto renovador de socialismo, mas porque rompem com a paralisia política, recolocam em cena aberta os diversos agentes políticos e sociais, impulsionaram conquistas democráticas e, em perspectiva, podem abrir novas possibilidades para o socialismo. A energia  política liberada por  tamanha mobilização  social não será facilmente domesticada pelo receituário  do FMI ou pelos  paraísos abstratos da propaganda capitalista." ( https://www.enfpt.org.br/acervo/documentos-do-pt/encontros-nacionais/1990/O-socialismo-petista.pdf )

17 anos depois o PT reconheceria em novo documento com o mesmo título, "O Socialismo Petista", de 2007:

"A   partir   da   Polônia   iniciava-se   um   movimento  de contestação do socialismo burocrático, que se estenderia a todos os países   da   Europa   do   Leste,   atingindo   mais   tarde   a   própria   União Soviética. As chamadas "revoluções de veludo" no leste europeu e a posterior   dissolução   da   URSS,   não   propiciarem   uma   renovação democrática do socialismo, serviram de base para instauração de um   capitalismo   selvagem   que   atacou   duramente   as   conquistas sociais que os trabalhadores haviam anteriormente obtido naqueles países" ( https://fpabramo.org.br/csbh/wp-content/uploads/sites/3/2018/05/3-Congresso-nacional_Socialismo-Petista.pdf ).

E no entanto, mesmo constatando o quanto errou em sua aposta e o quão foram desastrosas as consequências trazidas pelo sucesso do movimento apoiado por eles na década anterior, o PT nada fez para impedir que o imperialismo coordenasse junto a agentes do Estado brasileiro investigações conduzidas de forma lesiva ao interesse nacional, que organizassem movimentos biônicos (MBL, Vem Pra Rua, etc.) e "think tanks" capazes de altos investimentos em difusão de informações falsas, desestabilizando a política e a economia do país e abrindo caminho para o ultra-liberalismo com feições fascistas que nos governa hoje.

Não se pode nunca subestimar a capacidade de o imperialismo atingir seus objetivos, muito menos quando para isto se conta com a espontaneidade de movimentos sociais sob influência de forças políticas obscuras financiadas a partir do exterior.

Temos muito mais a aprender com o Partido Comunista da China do que com o quarto da população que está nas ruas de Hong Kong. Afinal, a China sobreviveu à dissolução do socialismo no Leste Europeu e à avalanche neoliberal dos anos 1990, segue firme e forte na condução de seu Projeto Nacional de Desenvolvimento, construindo um socialismo autêntico, com características chinesas.

Os jovens de Hong Kong não contariam com tanta força nas ruas e simpatia internacional se determinadas organizações que operam nas redes sociais e na imprensa não estivessem obtendo financiamento externo. Mas quanto mais leio sobre as inconsistências e contradições dos que protestam em Hong Kong, mais tenho confiança de que a China vencerá mais uma vez, garantindo a integralidade de seu território e a soberania nacional. Infelizmente não tenho a mesma confiança no Brasil, dada a ingenuidade de nossa esquerda. Uma esquerda que se espelha nos "autonomistas" de Hong Kong sob influência direta do imperialismo norte-americano será incapaz de reverter nosso atual estado de coisas.


domingo, 24 de fevereiro de 2019

A desonesta equiparação entre Marighela e a Ditadura


Para quem tenta colocar um sinal de igualdade entre a Ditadura Militar e as guerrilhas que a combateram, vejam o depoimento dado por Charles Elbrick, o embaixador dos EUA sequestrado pelos grupos MR8 e ALN (sendo esta a organização liderada por Marighella):

"Bom, daquele momento em diante eu fui tratado muito bem, devo dizer, que se um dia eu for sequestrado ou colocado na prisão, eu gostaria de ser tratado da maneira que eu fui tratado dali em diante. No dia seguinte eles foram muito agradáveis, atenciosos, eles tentaram fazer o que podiam para ver se eu estava confortável. Não era muito, mas eles tinham recursos limitados eu suponho."



Ele também relatou que recebeu revistas antigas e um livro em inglês sobre Ho Chi Min para ler, além de ter seu estoque de cigarrilhas sempre reposto e ter sido alimentado. Segundo Elbrick, a comida não era muito boa, mas os guerrilheiros se desculparam por não serem bons cozinheiros.

Quantos sindicalistas, estudantes, inclusive jovens mulheres, mães, foram submetidos às mais bárbaras torturas e estupros, muitas vezes até a morte e com ocultação de cadáveres? Por vezes as torturas envolviam crianças, como demonstram as reportagens de Luiz Carlos Azenha ( https://www.viomundo.com.br/denuncias/criancas-na-ditadura-militar-tortura-exilio-e-clandestinidade.html )

Colocar um sinal de igualdade entre os torturadores covardes e aqueles que arriscavam as vidas para pôr fim àquele regime odioso é um ato de má-fé.

O depoimento completo (em inglês) do embaixador pode ser lido no endereço http://media.folha.uol.com.br/agora/2015/07/09/document2015-07-08-193026.pdf

As estrelas no capitalismo

Toda vez que assisto a documentários e cinebiografias de intérpretes e músicos cujas obras alcançaram enorme sucesso comercial enquanto eram vivos e acabaram morrendo tragicamente, muitas vezes ainda jovens, fico pensando no quão pouco se questiona o quanto a indústria fonográfica e a mídia como um todo contribuíram para a tragédia. Penso que isso ocorre em parte porque esses documentários e cinebiografias, ao relançarem as obras póstumas, perpetuam não só a arte, mas o lucro das corporações que detêm direitos sobre ela.



Quando estão em ascensão, vende-se uma imagem gloriosa dessas estrelas, expõem-se a intimidade delas para o mundo, viram capas de revistas, fazem ensaios, filmes, dão entrevistas aos montes e participam de turnês exaustivas que acabam com a sanidade física e mental delas. Movimenta-se uma quantia enorme de dinheiro.

As relações pessoais desses artistas geralmente são muito afetadas por tudo isto, alguns familiares em que se confiava se revelam verdadeiros oportunistas, o tempo com filhos é comprometido pela agenda intensa de shows, etc.

Quando tudo isso se torna insustentável física e psicologicamente e as estrelas começam a entrar em depressão, a abusar do uso de álcool e outras drogas, etc. a industria fonográfica segue exigindo o sangue delas para o cumprimento de contratos e execução de shows - se não o fizerem têm que pagar multas e se contentarem com o que recebem por direito autoral, uma fração pequena frente ao que fica para as gravadoras. A mesma mídia que antes vendia uma imagem gloriosa dessas estrelas passa a vender a imagem de sua destruição. O foco passa a ser explorar os aspectos mais tristes, doentios e escandalosos do que se passa na vida pessoal da estrela, que há muito já não tem direito a privacidade.

Tudo isso me faz pensar também no velho argumento liberal de que é uma grande vantagem do capitalismo a possibilidade da ascensão social pelo esforço e pela manifestação dos diferentes talentos. Mas será que é preciso se chegar a tanto? Será que tanto dinheiro tem que ser movimentado em torno da ultra-exploração da imagem desses artistas, que muitas vezes começam muito jovens, adolescentes, crianças, a lidarem com esse mundo? Não seria melhor uma sociedade na qual os talentos pudessem se desenvolver e se projetar num ambiente mais saudável, valorizando-se o trabalho do artista sem precisar submetê-lo a tanta exposição?

E enquanto essas estrelas têm suas vidas consumidas de forma tão intensa, quantos outros milhares de artistas lutam para ter a possibilidade de viver de sua arte mas não encontram espaço?

Questionamentos semelhantes podem ser feitos  sobre expoentes de outras áreas, como o esporte e o cinema.