domingo, 24 de fevereiro de 2019

As estrelas no capitalismo

Toda vez que assisto a documentários e cinebiografias de intérpretes e músicos cujas obras alcançaram enorme sucesso comercial enquanto eram vivos e acabaram morrendo tragicamente, muitas vezes ainda jovens, fico pensando no quão pouco se questiona o quanto a indústria fonográfica e a mídia como um todo contribuíram para a tragédia. Penso que isso ocorre em parte porque esses documentários e cinebiografias, ao relançarem as obras póstumas, perpetuam não só a arte, mas o lucro das corporações que detêm direitos sobre ela.



Quando estão em ascensão, vende-se uma imagem gloriosa dessas estrelas, expõem-se a intimidade delas para o mundo, viram capas de revistas, fazem ensaios, filmes, dão entrevistas aos montes e participam de turnês exaustivas que acabam com a sanidade física e mental delas. Movimenta-se uma quantia enorme de dinheiro.

As relações pessoais desses artistas geralmente são muito afetadas por tudo isto, alguns familiares em que se confiava se revelam verdadeiros oportunistas, o tempo com filhos é comprometido pela agenda intensa de shows, etc.

Quando tudo isso se torna insustentável física e psicologicamente e as estrelas começam a entrar em depressão, a abusar do uso de álcool e outras drogas, etc. a industria fonográfica segue exigindo o sangue delas para o cumprimento de contratos e execução de shows - se não o fizerem têm que pagar multas e se contentarem com o que recebem por direito autoral, uma fração pequena frente ao que fica para as gravadoras. A mesma mídia que antes vendia uma imagem gloriosa dessas estrelas passa a vender a imagem de sua destruição. O foco passa a ser explorar os aspectos mais tristes, doentios e escandalosos do que se passa na vida pessoal da estrela, que há muito já não tem direito a privacidade.

Tudo isso me faz pensar também no velho argumento liberal de que é uma grande vantagem do capitalismo a possibilidade da ascensão social pelo esforço e pela manifestação dos diferentes talentos. Mas será que é preciso se chegar a tanto? Será que tanto dinheiro tem que ser movimentado em torno da ultra-exploração da imagem desses artistas, que muitas vezes começam muito jovens, adolescentes, crianças, a lidarem com esse mundo? Não seria melhor uma sociedade na qual os talentos pudessem se desenvolver e se projetar num ambiente mais saudável, valorizando-se o trabalho do artista sem precisar submetê-lo a tanta exposição?

E enquanto essas estrelas têm suas vidas consumidas de forma tão intensa, quantos outros milhares de artistas lutam para ter a possibilidade de viver de sua arte mas não encontram espaço?

Questionamentos semelhantes podem ser feitos  sobre expoentes de outras áreas, como o esporte e o cinema.

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